sábado, 29 de maio de 2010

20. A IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO

Foto da igreja de Nossa Senhora do Rosário de Fortaleza-CE.


Conta à tradição que no século XIII o Papa Inocêncio III convocou uma cruzada ao sul da França dirigida por Simão de Monfort contra inimigos da cristandade (albigenses) obtendo vitória sobre os mesmos. Tal acontecimento foi atribuído a um milagre de Nossa Senhora do Rosário sendo construída no local uma capela em homenagem a santa, três séculos depois a mesma santa estaria envolvida em nova refrega entre cristãos e os chamados infiéis (turcos) na cidade de Lepanto sendo novamente a vitória atribuída a virgem do rosário onde foram libertados na ocasião cerca de 20.000 escravos. Gregório XIII reforçou o rosário como símbolo de vitória e libertação festejando a santa no primeiro domingo de outubro. Esta tradição católica, iniciada a priori na Europa disseminou-se para outras regiões do globo através da colonização de metrópoles europeias no nosso caso partindo primeiramente de Portugal para terras africanas e posteriormente brasileiras. No Brasil os principais encarregados de difundir este culto foram os dominicanos que incentivavam a recitação do rosário composto por 150 Ave–Marias subdivididas em 15 dezenas iniciadas sempre por um pai-nosso.


"É constante a tradição que um preto africano pelos anos de 1730 em diante erigiu uma capelinha a Nossa Senhora do Rosário, no local em que se acha hoje a desse nome, a qual ficava um pouco afastada da vila. Esta era, como toda construção daqueles tempos, de taipa e de palha. Nela rezavam os pretos seus terços, novenas e outros atos de devoção". MENEZES,Antonio Bezerra de. Descrição da cidade de Fortaleza:Edições UFC, 1992, P. 162.

Como vemos nesta transcrição de Bezerra de Menezes a construção do templo destinado aos cultos a N. Sr. (a) do Rosário data do século XVI, porém, não sabemos ao certo a data precisa dos inicios dos trabalhos da Irmandade do rosário que transformaria esta construção de taipa no que conhecemos hoje como a atual igreja do Rosário. Igreja mais antiga de nossa cidade.

“Havia reunião solemne da confraria, apparecendo enfeitados machos e fêmeas. Presidia o rei, e assentavão-se todos em cadeiras de espaldar com tampos de sola, bordada, às vezes, bem bonitas. A negraria rababú ocupava bancos de madeira formando corte ás damas aderessadas de collares de contas vermelhas, grandes brincos de pedras verdes e azúes, em metal dourado, annéis de tambaque, e outros enfeites, entre os quaaes sobresahião as fitas das quaes um carretel custava meia pataca”!

Este trecho de João Brígido, apesar de preconceituoso, nos dá uma noção do grau de espetacularidade das coroações de reis, inspiradas nas antigas cerimônias de coroações de reis do “Rei do Congo”, realizadas pelas irmandades de Nossa Senhora do Rosário na ocasião da posse de seus empregados como; Mordomos, procuradores, juízes e reis entre outros. Tais empregos tinham validade de um ano os quais eram remanejados a outros irmãos no advento dos festejos de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos geralmente realizados no mês de outubro (primeira domingo) e/ou no dia de reis. Ainda segundo o escritor João Brígido;

“Os negros eram autônomos, uma vez por anno,-dia de reis. Um dos mais influentes envergava o manto, punha coroa e tomava o sceptro, exercendo a realeza de papelão. A rainha e a corte o seguião á egreja do Rosário, e havia rufos de caixa, e repiques de sino. O vigário, com o clero, vinha receber a comitiva à porta da egreja, de hysope e caldeirinha. Nesse dia, a pragmática concedia muitas regalias aos pretos, e não era uso apanharem. Ao contrario, o Rei do Rosário tinha até a prerrogativa, concedida pela justiça, de soltar um preso”!

Roupas e adereços eram; negociados, adquiridos ou emprestados aos negros por seus senhores através de longos diálogos, bem como, através de doações provindas de senhoras abastadas da sociedade que se desfaziam de seus velhos vestidos de noiva, sobras de costuras, e alguns penduricalhos como bijuterias e algumas miçangas.
Após as coroações haviam demoradas rodadas de danças como o “carrega em baixo” e melodias acompanhadas por caixas e pandeiros que perduravam durante todos os dias da festa.

Comidas típicas como o aluá ou “uálua palavra de origem quimbumdo”, o vatapá e outras iguarias a base de milho ou feijão eram amplamente consumidos durante os festejos.

Como vimos, a festa do rosário através de seus diversos afazeres como, a feitura de vestimentas, a fabricação de bebidas e diversas comidas, tudo isto sem contar a decoração e o asseio da igreja, bem como, o aluguel do imóvel onde seria realizada a recepção dos músicos, dançarinos, irmãos e demais convidados possibilita uma grande troca de informações e um grande grau de sociabilidade permitindo a troca de signos e material cognitivo não só aos integrantes da irmandade como a qualquer pessoa que se dispusesse a participar dos festejos. Rodolfo theophilo nos relata o seguinte;

“O rei era um preto já idoso, de manto, sceptro e coroa. A rainha, uma escrava meio velha, acompanhada de duas damas de honor. Na capela-mór estava armado o throno, em que se deviam sentar suas majestades. Logo que chegava o rei com sua corte, entrava a missa, sahia o cortejo real de cidade a fora até o palácio, em que passava o resto do dia a comer, beber, a dansar, festejando as poucas horas de liberdade que todos os annos lhe concediam os senhores da terra que primeiro libertou os seus escravos”.

Alguns fatores são apontados como preponderantes para o encerramento das atividades da Irmandade do Rosário da capital são eles: O conservadorismo católico com a chamada “romanização” ou centralização por parte da igreja exercendo seu poder controlador sobre a irmandade chegando até mesmo a modificar seu estatuto proibindo as coroações dos reis negros do rosário, a diminuição do número de irmãos devido o surgimento de outras confrarias sobre tudo as vicentinas que obedeciam a diretrizes e doutrinas advindas do Vaticano sendo, portanto mais bem vistas perante a sociedade do que as de outras vertentes, o preconceito a todo tipo de manifestação de raízes africanas em uma sociedade que se afrancesava a qual tinha como parâmetros de civilidade a cultura branca europeia neste sentido abominando-se qualquer outro tipo de cultura silvícola ou de matizes africanos, a crescente valorização do espaço urbano de Fortaleza na segunda metade do século XVIII gerando a cobiça desenfreada de magnatas inescrupulosos como o comendador Francisco Coelho da Fonseca que deflagrou verdadeira guerra contra a irmandade pretendendo anexar alguns bens da irmandade que a época constituíam-se por terrenos, imóveis alugados e instalações, a proibição da arrecadação de esmolas “vistas praticas indesejadas no espaço publico”.

Tudo isto exposto, vimos como se deu o fim desta irmandade que perduraria chegando aos dias atuais em municípios mais humanamente adiantados do interior e de outros estados. Em nosso caso "Fortaleza" graças a esforços da Associação Cultural Maracatu Rei do Congo desde meados de 2010 a referida irmandade voltou a ativa exercendo sues trabalhos até a presente data incluindo-se aqui as respectivas coroações de seus reis realizadas no mês de outubro com a pompa e fausto de antigamente...